22 de dezembro de 2006

Natal Mendigo (1ª Parte)



"Sento-me, enfadado, na esplanada de um café, numa das ruas mais agitadas da nossa cidade. Está uma tarde de sol, no entanto, estamos nas vésperas do Natal. A rua está apinhada de gente soturna e bem vestida. Sente-se o frenesim. As pessoas circulam inquietas, entrando e saindo apressadamente das dezenas de lojas, autênticos templos de consumo, que ladeiam esta avenida comercial. Enquanto tomo o meu café relaxado, vejo-os passar de olhos esbugalhados nas montras, raiados de uma libido consumista, carregando os sacos de compras. Cruzam-se sem se olharem, olham-se sem se verem. Parecem trazer o pensamento ausente, o desejo prenhe e o coração vazio. Caminham altivas mas titubeantes, rígidas mas sem rumo. Cogitam: “É bonito, vou comprar. Afinal, prefiro aquele, é mais bonito.”, “É muito caro, mas havia de lhe ficar bem, havia de gostar.”, “Levo, não levo; Levo, não levo?”, “Será que já tem? Também, o que é que ainda lhe faltará?”, “Não sei o que comprar. Ai, e é tudo tão caro!”. Dir-se-ia que têm um horário a cumprir – é esse o seu objectivo fundamental, cumprir o horário – mas erram desnorteadas. Lutam contra o tempo, o seu maior mendigo. O tempo, o grande incompreendido. O tempo, a nossa maior doença.
Entre as centenas de pernas que marcham rua fora, vislumbro, do outro lado da rua, jazente, um ser desfigurado. Detenho-me nessa personagem bizarra, tétrica. Um mendigo, cobrindo a sua nudez com parcos andrajos, estende de sua mão trémula uma pequena lata enquanto roga, com voz quase sumida, uma esmola. Mas não parece interessar aos trausentes, que continuam a desfilar frenéticos com os seus sacos cheios de nadas, indiferentes ao indigente. Talvez o pobre os cativasse se se colocasse atrás de uma montra. Convenhamos que é um ponto mais estratégico. Este faz um esforço para subir o tom de voz e acrescenta argumentos ao seu rogo: “para um pobre homem doente e desempregado, pai de seis crianças.”, chama o lânguido faminto. Nada faz deter o cordão humano, que deambula absorto. Alguns olham-no com desdém, outros vociferam vitupérios contra ele, afastam-se e passam ao lado, esquivam-se ou fingem não o ver. Os seus olhos estão postos nas montras, concentrados naquilo que apenas deixa mais limpo as suas carteiras. O tempo escasseia, é imperativa não se deixarem distrair com mais nada.

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